Mais de metade dos problemas do casal nunca serão resolvidos!

Sim, leste bem. Segundo a investigação de John Gottman, cerca de dois terços dos problemas de um casal nunca são resolvidos.

Quando falo disto em sessões ou em grupos, noto duas reações distintas. Há quem sinta frustração: “Então, vamos discutir sempre as mesmas coisas?” E há quem respire de alívio: “Ah, afinal não somos só nós, afinal é normal termos as mesmas discussões.”

A verdade é que os casais perdem, muitas vezes, mais energia em lutar contra o facto de estarem a repetir o mesmo conflito do que no próprio conflito em si.


Pensa comigo: quantas vezes ficaste zangado(a) não só pelo motivo inicial, mas porque já era quarta vez naquela semana que falavas no mesmo assunto?

Será mesmo sobre o carregador do telemóvel (pode ser uma tolha molhada ou o tampo da sanita)?

Imagina um casal que entra, mais uma vez, numa discussão porque o carregador do telemóvel “desapareceu”. Ele tinha deixado na tomada da sala, ela levou para o quarto. Quando ele precisa, não encontra. Quando ela quer usar, está no sítio errado.

À primeira vista, parece uma discussão ridícula. Afinal, estamos a falar de um objecto de 10 euros. Mas, no fundo, não é sobre o carregador. É sobre sensação de desorganização, sobre espaço pessoal, sobre sentir que o outro não respeita as nossas coisas ou não valoriza as nossas necessidades.

É sobre formas diferentes de olhar para conceitos como “arrumação” ou “posse dos objectos”, ou até sobre “tempo” e “dinheiro”.

O carregador torna-se o “terceiro elemento”, a desculpa para ativar todas as camadas de frustração que cada um traz de dentro. A discussão nunca é sobre o carregador.

O problema como “terceiro elemento”

Uma das imagens que gosto de usar é esta: imagina que o problema não está entre ti e a tua pessoa, mas fora, ao lado.

Em vez de discutirem um contra o outro, experimentem olhar para o conflito como algo externo, como se fosse uma terceira presença que tenta instalar-se na vossa casa.

Não é “eu contra ti”, mas sim “nós contra isto”.

O sonho dentro do conflito

John Gottman fala de algo que considero transformador: o “sonho dentro do conflito”.
Por trás de cada discussão aparentemente banal, há uma necessidade mais profunda. Pode ser o desejo de reconhecimento, o medo de abandono, a necessidade de segurança ou até uma memória antiga de infância que continua viva.

O convite é tornares-te um “detetive de sonhos”.

Experimenta este exercício:

  1. Identifica um dos vossos conflitos recorrentes.
    Não precisa de ser o maior — pode ser aquele tema que volta e meia regressa, como a gestão do dinheiro, a divisão das tarefas, os horários, ou até algo aparentemente pequeno.

  2. Escreve uma história sobre ti nesse conflito.
    Que sonho, necessidade ou medo escondido pode estar por trás da tua posição? Será uma busca por segurança? Um desejo de liberdade? Uma tentativa de não repetir padrões da tua família de origem?

  3. Faz o mesmo pelo teu parceiro/parceira.
    Com curiosidade e empatia, tenta imaginar qual poderá ser o “sonho dentro do conflito” dele(a).

  4. Partilhem as vossas histórias.
    O simples ato de dar voz a esse significado mais profundo pode abrir espaço para uma nova forma de diálogo.

Este exercício de Gottman chama-se “Overcoming Gridlock” — ultrapassar o impasse. E não é sobre resolver o conflito, mas sobre o compreender.

O outro terço: problemas solucionáveis

Se dois terços dos problemas são perpétuos, há ainda um terço que é solúvel.
Aqui, Gottman é direto: resolvam-nos.

Não precisam de arrastar tudo. Há conflitos que, com comunicação clara, negociação e compromisso, podem ser resolvidos de forma prática. A chave é distinguir o que pode ser solucionado e o que apenas precisa de ser gerido.

É como arrumar os armários: há peças que deves doar porque já não fazem sentido (problemas que podes resolver), e há outras que fazem parte do teu estilo, mesmo que às vezes sejam difíceis de combinar (problemas perpétuos).

Mas na próxima newsletter trago-te mais ferramentas para este terço que pode ser resolvido.

Porque é que isto tudo importa?

Às vezes, as pessoas perguntam-me: “Mas se não vamos resolver 69% dos problemas, qual é o sentido de investir tanto na relação?”

E a minha resposta é sempre: porque não se trata de viver sem problemas, mas de aprender a dançar com eles. Seja nesta relação ou na próxima.

Uma relação saudável não é uma relação sem conflitos. É uma relação onde os conflitos não roubam a essência da conexão.

É onde dois mundos diferentes aprendem a coabitar, a respeitar-se e a crescer juntos.

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